segunda-feira, 14 de maio de 2012

15. Simples... Fazes muito mais que o Sol...

Até parece que foi ontem... há um ano atrás, sabia... sentia, imaginava-te...
Agora, conheço-te. Conheço-me.

Fazes muito mais que o Sol.
Fazes-me, muito mais que o Sol.

Há qualquer coisa... de mágico, de grande, de formidável, de assustador.
Há coisas que não podemos dizer a ninguém.
Há coisas que nos saem pelos lábios, e que os outros não compreendem.Ou são interpretadas ao contrário. Prefiro sempre o silêncio.

Há marcas que ficaram. Para além das físicas, das mãos, da barriga, do pescoço...ficaram todas as outras.
Perdi algumas coisas pelo caminho.
Perdi a capacidade de me assustar. Perdi o medo da dor.
Perdi aquela sensação inexplicável e incontrolável de  pavor quando vi que te picavam pela primeira vez. Foram tantas e sucessivas as vezes que vimos, assistimos e ajudámos a segurar-te, picar-te e espremer-te...

Eles estão todos enganados. Dizem-nos, dizem-te e dizem-me que és um herói.
Mas de super não tens nada.
Éramos privilegiados até há pouco. Ou ignorantes.
Não sabíamos o que era um cateter, o broviac ou o epicutâneo; uma ileostomia, o Ci-Pap, o modo PSV, uma bradicardia, uma gasimetria. Não sabíamos para que servia o óxido nitroso, nem o que era uma retinopatia ou cinesia. Nunca tínhamos visto como funcionava uma ressonância magnética, nem tínhamos presenciado uma  reanimação. Não sabíamos como podiam ser tão altos os valores de uma PCR. Nem fazíamos ideia dos efeitos de uma estúpida infecção.
 Éramos felizes ignorantes.
Nunca tínhamos feito nenhum clister, dado vitaminas ou contado insuflações.  Nunca tínhamos colocado em ninguém óculos nasais ou manipulado garrafas de oxigénio ou aerossóis. Nunca tínhamos batizado ninguém sem fazer uma festa.
Nunca tínhamos amado ninguém tão pequenino.
Nunca tinhamos percebido como é tão difícil e importante o simples respirar.
Nunca cortámos unhas tão pequenas. Nunca tivemos uma cabeça tão pequena nas nossas mãos.
Nunca acordámos com alguém a chorar. Nunca tivemos de adivinhar o que doía. Nunca tínhamos preparado leite. Nunca lidámos com birras irracionais. Nunca tínhamos feito ginástica... ou dado banho. Nunca vimos umas pestanas tão reviradas ou um sorriso tão grande.

Hoje já não somos tão ignorantes. Hoje conhecemos mais umas coisas. Muitas mais hão de vir.
Ele não é super nem herói. Nem especial. Apenas vivido. Mais do que eu.

Só queremos a ordinária normalidade. Ter o mesmo tamanho e peso que os outros, comer o mesmo, fazer o mesmo...
Saber o mesmo...
Tudo simples





sábado, 17 de março de 2012

14. Quero o meu Bernardo já...

Mudámos de poiso. Tivemos que começar tudo de novo.
Aprender um novo caminho. Ver como se chega mais depressa. Conhecer novas caras, novas "regras"...
Novos médicos, novos enfermeiros, novos hábitos...
A inquietação cresceu. O mau humor também.
Não sei como me podem aturar às vezes. Eu própria tenho vontade de sair de mim mesma e ir embora. Dizer ou deixar recado «Já não moro aqui e fui. Fui para muito longe. Não sei quando volto.»

Já está quase. Já falta pouco. Ou melhor, já falta menos.
Isto é praticamente tortura.
Cada vez tenho mais vontade de, pegar nele e sair a correr.
Aquelas bochechas cheias de tubos e adesivos dão tanta vontade de apertar e dar beijinhos.

Peço mais uma dose de paciência. Bem guarnecida. Por ele, vale a pena aturar médicos trocistas,  com excesso de personalidade, enfermeiras doidas, mal-entendidos, multas de estacionamento, horas sem dormir...

Olhando para trás, não pareces nada o miúdo de 880g, de cor avermelhada e de veludo, que esteve não sei quantos dias debaixo de uma luz azul. Umas mãos minúsculas e uns dedos compridos mas muito fininhos. Uma barriga a tremer da ventilação. 33 cm de gente (esticadinho). Sim, porque cabias na palma da mão.

Hoje estás quase um homem grande. As tuas mãos duplicaram de tamanho. Quase 47 cm ao todo... 2,5 kg. Uma saca de batatas.
Passaram longos quase quatro meses... Até parece que não custou nada. Até parece que foi ontem. Até parece...

Escrevi isto não sei bem quando... há um mês talvez...

Hoje, dia 18 de Março, medes bem à vontade 48 cm, 3,5 kg... e já pareces um bebé de termo.
Lindo. Como sempre. Como o pai (dizem!).
Desde de seja esperto como a mãe, pode ser lindo como o pai... (eu não me importo nada!).

Falta quase nada...
...um nada... onde cabe tanta coisa.
Cabe uma noite mal dormida, cabem mil perguntas, mil suposições, mil preparativos, as últimas compras... cabem uns saltinhos...
Cabe um enxoval acabadinho de fazer, exclusivo e personalizado. Cabe um quarto cheio de sonhos (e alguns papéis que nunca tiveram sítio). Cabe uma brutal dor de costas. E uma alegria que não se pode medir.


Um dia, talvez te consiga dizer o que te aconteceu, O que nos aconteceu. Um dia, talvez consiga explicar, por palavras ou não, aquilo que cabe num abraço meu.
Um dia, tenho a certeza que vais perceber sozinho.
"Gosto de ti até à Lua..."




domingo, 19 de fevereiro de 2012

13. Sem o meu Sol...

Sei que dói.
Já sabia que amar faz doer.
Já tinha essa experiência. Mas agora... agora parece diferente.

Já te estreaste numa ambulância. Lá foste tu, rua abaixo, numa carrinha amarela do INEM, recém-nascidos.
Assim que chegaste foste para o bloco. E ficámos cá fora, como peixes fora de água, num sítio desconhecido. Minúsculo e muito quente.
Faltava o ar, mas eu estava muito descontraída.
É mais um passo a caminho da meta. A caminho da glória. Quando isto tudo terminar, posso finalmente pegar em ti, e trazer-te para junto de mim. Estamos cada vez mais perto.

A enfermeira que iria ficar com ele até às quatro, falou connosco, mas disse que explicava tudo depois.
Chegaram-se as quatro e o turno dela acabou. Cinco, seis...
E nada...
A descontração deu lugar ao desespero e à impaciência. Será possível que ninguém nos venha dizer nada?
não se faz. Simplesmente, não se faz.
Lá tivemos que, no fim de contas, acabar por "ralhar" com o primeiro enfermeiro que nos apareceu à frente.

A enfermeira que estava a "prepará-lo" adoptou uma estratégia diferente. Começou a questionar-nos... "já almoçaram?", "há quantas horas não comem?", "costumam dormir bem?".
Teria comido como deve ser se alguém me tivesse dito que podia ir lanchar à vontade que ainda ia demorar. E, até esse dia, nunca tinha tido pesadelos.
Hoje, já não posso dizer isso.
Aquela pergunta ficou a ecoar cá dentro. Seria anormal dormir bem?
Bom, então agora já sou normal.
Aquela enfermeira... tocou lá... no fundo, com requintes de malvadez. Só porque era ela quem nos devia ter dado informações... e aparentemente, estava em falta connosco.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

12. Acorda menino lindo...

Olho para as cordas de roupa... é quase tudo branco e azul... uma chatice monótona de cores. O que vale é que gosto muito de azul. Eu tenho contribuído com algumas anotações de castanho. Mas sou a que menos contribui de todo. Tento, aliás, nem entrar nas lojas, não vá gostar muito de alguma coisa.
Não faço ideia que tamanho terás, que número de roupa irás usar em que estação. É completamente inútil fazer prognósticos ou adivinhações...
Não sei como será o teu desenvolvimento.

Agora costumas ficar horas a olhar-me. Tal como já fiquei horas a olhar-te.
Se fazias o mesmo que eu, estiveste a estudar os nossos traços, a decorar as linhas do nosso rosto e a memorizar todos os pequenos pormenores que conseguiste focar.

Tenho tantas saudades tuas.Temos tantas saudades...

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

11. No love, no glory...

E pela terceira vez... quando tudo parece encaminhado... quando tudo parece menos complicado...
...mais uma rasteira, mais uma queda. E vamos todos ao chão.
De cada vez que isto acontece penso "não volto a dizer nada!" "não volto a dizer que ele está melhor!"... para depois não piorar no dia seguinte...

É como levar um murro. É como ver um vinte na pauta e depois veres que não é teu. É... voltarem a tirar-te o ar. Este é o pensamento instantâneo. O seguinte... é sempre "amanhã já vai estar melhor", "amanhã é que é...".

Nestes três meses tenho aprendido muita coisa:
a) Ninguém está preparado.
b) A vida não é justa.
c) Não tem que ser justa.
d) A culpa não é minha.
e) Nem de ninguém.
f) Não desisto.
g) As capacidades humanas vão muito além do esperado.
h) Milagres existem. Todos os dias.

Sei que hás de vir para casa. Só não sei quando.

E penso "o que foi que eu ainda não aprendi?", "com que erros ainda não aprendi?", "o que tenho de mudar em mim?".
Três vezes. Chega. 

domingo, 29 de janeiro de 2012

10. Se soubesse que me olhavas...

"Não, mãe." "Está aqui mãe.". "Olá mãe!"
. As enfermeiras têm muito esse hábito. Parece que as educadoras também tratam assim as mães dos bebés. Acho que não gosto.
A primeira vez que ouvi isto acho que nem liguei... Demorei uns segundos até perceber que estavam a falar comigo. Depois comecei a habituar-me, aos poucos.
Quando vamos fora de horas, temos de dizer "Somos os pais do Bernardo!" ou "É a mãe do Bernardo!". E ainda não é completamente inato assumir-me com esta nova identidade.
Acho que tenho de treinar ao espelho, ou dizer muitas vezes baixinho para depois acabar por sair com mais naturalidade. "Sou a mãe do Bernardo."
Certamente daqui a alguns anos, quando me ligarem da escola por algum motivo, vou pensar "Bolas Bernardo, o que fizeste desta vez?".
Agora quando me ligam por causa dele, nunca são bons motivos. Prefiro não receber chamadas a perguntar se sou a mãe do B.

Ando cansada. Cansada desta rotina diária. Cansada de ter que ter sempre tanta paciência. Cansada de dormir aos bocadinhos e sempre tão mal. Se ele cá estivesse seria muito pior, tenho a certeza... mas, pelo menos, ele estaria cá.

Já faltou mais, mas ainda falta tanto.
Gerir expectativas. Antecipar o que ainda vai acontecer. O que pode correr bem, o que pode correr mal. Preparar cenários diversos. Estou cansada.
Acho que também estou um bocadinho chateada. Deve fazer parte. Como diz o Palma, "sobrevivendo ao comprimido e à bebedeira"...

Entretanto...
... "sou a mãe do Bernardo!"

domingo, 22 de janeiro de 2012

9. That's how I feel whenever you ain't there It's no air, no air

Às vezes tenho vontade de pegar em ti e levar-te dali para fora.
Trazer-te comigo para casa. Agarrar-te para sempre. Cheirar-te e abraçar-te.
Ontem, (ou já seria hoje?) estavas tão lindo, a olhar para nós... Não queria vir-me embora.
Os teus olhos, ainda de cor indefinida, olhavam para todo o lado. Para cima, para baixo, para mim e para o pai. O que será que conseguias ver? Parecias admirado.
O mundo é tão grande e com tanto para ver, ouvir e cheirar...

Vamos embora, miúdo!!!



sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

8. Let it be

"Vão ter que sair agora."  é uma frase que ouvimos com alguma frequência.
E sempre que a oiço, sinto-me que o sangue começa a ferver cá dentro. E quando consigo esconder aquilo que sinto, e evitar responder mal, há alguém que ocupa o meu lugar com o mau feitio...

"..mas porquê?" oiço perguntar. E assisto a um debate de ideias entre nós e as auxiliares, enfermeiras e médicas.   Penso que nenhuma delas (com quem já discutimos) tem a noção do que é ter alguém doente. Faz impressão? Faz impressão para quem? O que é que faz impressão? Ver alguém tão doente que nem reage quando lhe apertas a mão? Alguém que à nossa frente, baixa tanto a frequência cardíaca que tem que levar manobras de reanimação? Isso é que faz impressão... não é picar um pé, uma mão ou um braço.
"não é suposto" insistiu uma médica de nariz arrebitado, com ar muito confiante, quando lhe estava a fazer uma gasimetria.
Não é suposto é tudo o que aconteceu. Isso é que não era suposto.
Eu deveria poder a assistir, se quisesse, a tudo o que fazem com o meu bebé. Se me fizer impressão, não assisto. Não é justo serem duas ou três enfermeiras a decidir onde é que nós devemos estar...

Sim, é o meu mau feitio a falar.

"And when the night is cloudy there is still a light that shines on me
Shine until tomorrow, let it be"

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

7. Under pressure...

Existem dois tipos de pessoas... (existem muitos mais, mas...)
Existem vários tipos de pessoas que nos falam sobre o B!

O tipo que nos trata como se não existissemos: "Oi.Como é que ele está?" ou "Já tenho saudades do B" e ainda nem o conhecem. Têm tanta ânsia em saber notícias dele que se atropelam, nos atropelam, e vão logo diretos ao assunto. Este tipo de pessoas é típico e comum a todos os novos pais, que que sentem completamente em segundo plano. Agora é como se existissem apenas os bebés!

O tipo que parecem ter mais esperança que nós próprios... "Eu sei que vai correr tudo bem!" ou "O meu anjo da guarda a mim nunca me falha e eu tenho rezado por ele".
Quando nos dizem coisas destas fico sempre a pensar que raio de imagem é que nós transmitimos...? Será que damos a impressão que não nos importamos? Ou que perdemos a esperança? Fico sempre intrigada com este tipo de pessoas. Perguntam por ele, e quando dizemos qualquer coisa que se pareça com a realidade fazem logo o favor de nos interromper e nem deixar acabar a frase dizendo "...mas vai correr tudo bem! Isso é que importa!"
Ninguém, quando nos pergunta por ele, tem a noção de que as respostas poderão magoar ou frustrar as suas expectativas e não conseguem lidar muito bem com isso... e "tentam" animar-nos com os seus "esfuziantes" votos de confiança. Bolas, só nós sabemos da realidade dura e crua, e ninguém mais do que nós, espera, deseja e sabe que no fim, tudo vai correr bem. Ninguém.

O tipo "como é que ele está?" é curioso. Obriga-me a ter uma noção dos "relatórios" que vou fazendo. Tenho que lembrar-me quando e qual foi a última informação que dei a essa pessoa, e tentar a partir daí gerir a informação que é fornecida. E depois de fazermos os "relatórios", vêm ainda as questões "mas ainda está nos cuidados intensivos?", "quanto é que pesa?", "está a ser medicado?", "mas foi operado porquê?", "o que é que o médico disse", "levou outra transfusão? mas porquê? análises? quais os valores de hemoglobina?".
Decididamente, estes são do tipo que me faz arrepender de falar tanto, e de dizer a verdade. Se eu mentisse, ou dissesse apenas que "vai andando" poupava-me a questões, irritações e...
Ninguém tem de saber os pormenores. Claro que é bom e normal que se preocupem, mas... com limites. Este tipo causa dor.

O tipo que tem um exemplo para dar. Todos conhecem alguém, um primo, um sobrinho, uma amiga, um vizinho, ou então o exemplo da Mariza, da fadista. "Sabemos que vai correr bem!", "cabia na palma da nossa mão", "agora é exactamente como os outros", "parece que tomou vitaminas e está enorme!". Fico mesmo muito feliz com o sucesso dos outros. A sério que fico. E no futuro, eu também terei um exemplo para dar. Bom, melhor, pior... mas será também um exemplo.
Mas, na verdade, eu não quero saber dos outros para nada. Para nada. Eu estou rodeada de exemplos na maternidade. Bons, e menos bons. E lido bem com isso.
Quando me dizem, sem saberem de nada "ai a minha prima era tão pequenina que a mãozinha dela a apertar a nossa, era mesmo pequenina" ou "era um ratinho, nem chegava a um quilo!"...

 Fico calada, sorrio, faço um ar de compreensão. sei lá. Não sabem. Não me vou por a dizer que o meu pesava menos, ou isto ou aquilo. Não interrompo. Deixo-os falar. Sou vaga...

Sei que todos somos um bocadinho de cada tipo, dependendo das situações.
Sei que ninguém tem a intenção de magoar. Querem apoiar, ajudar, confortar...
Sei que nem sempre tenho paciência ou compreensão para suportar estas coisas.
Sei que, no final, vou rir-me por ter escrito estes disparates... que poderão "ofender" quem se rever nestes tipos.
Sei que, tenho o direito de os escrever.
Sei que só nós sabemos.

domingo, 15 de janeiro de 2012

6. Just take my hand...

Pego na tua pequena mãozinha... e tu apertas-me com força, de volta.

A tua mão já está o dobro do que era quando nasceste. Os quatro dedos juntos já quase fazem meio dedo meu. Estás muito grande!

Será que sabes que sou eu que te aperto??? Será que consegues saber, no meio de tanta gente que tem estado contigo, que existem duas pessoas, que todos os dias, várias vezes por dia, te tocam, te dão a mão? E às vezes, mesmo sem te tocaram, estão do lado de fora, a olhar para ti... a olhar por ti?

As enfermeiras garantem que sim. Elas sabem o que queremos ouvir.
às vezes acho mesmo que sabes que sou eu. Portas-te melhor quando ralho contigo. Deixas de chorar quando te faço festinhas ou te dou a mão. Será do toque? A pele diferente? O cheiro e a voz?

És tão giro que sinto que te partilho um bocadinho com todas as enfermeiras que têm cuidado de ti. Ainda hoje me disseram "o bebé mais pestanudo da maternidade!" Elas simplesmente, derretem-se a olhar para ti, e também te dão a mão, fazem-te festinhas e vão ver-te mesmo quando não são elas que estão contigo.

Os que estão cá de fora, contentam-se com as poucas fotos, e com o que contamos. Estão todos muitos ansiosos por te conhecer. Por saber se é verdade tudo aquilo que dizemos...
Eu também estou ansiosa!